A triste figura de
um Sinistro do Supremo
Pior que um rábula, só
um com pouca inteligência e que igualmente não acredite na
inteligência alheia – pois como ele mesmo – Ricardo
Lewandowiski, Sinistro do Supremo e mais conhecido como Tio Funéreo
– afirma, só “acredita no que vê, e não em Papai Noel”.
Afirma o mesmo que a
“teoria do domínio do fato” só seria plausível diante de
situações de guerra ou graves perturbações internas – e arrota,
arrogante, seus conhecimentos em um alemão falado nas docas.
Esta teoria surgiu na
Alemanha, no final da década de 30, e foi atualizada – e não
criada, como afirmou Tio Funéreo – depois por Claus Roxin na
década de 60. O alemão Welzel a pariu, em 1939, e nunca sofreu
qualquer contestação teórica de Roxin, ainda que o Sinistro do
Supremo não o saiba. A teoria foi aperfeiçoada para assegurar a
punição dos chefes das tropas de Hitler e, anos depois, dos
oficiais envolvidos no assassinato de fugitivos do Muro de Berlim.
Pelas leis comuns, só
os soldados, que estavam na linha de frente e atiravam contra os
fugitivos, eram passíveis de condenação. A teoria do domínio do
fato permitiria a responsabilização criminal de coronéis e
oficiais que, mesmo não estando no front, tinham o poder de impedir
os crimes com uma simples ordem aos soldados de plantão.
Logo depois, a teoria
começou a ser usada para punir chefes das máfias italianas e outras
organizações criminosas, sob a mesma lógica. Os chefes quase nunca
deixam digitais nos crimes cometidos pela base das quadrilhas – ou,
como diz a Ministra Rosa Weber, “o corrupto não emite recibo de
sua corrupção”.
Em seu voto, após o
Sinistro Lewandowiski citar a historieta acima, a Ministra sustentou
que “nos crimes de guerra punem-se, em geral, os generais
estrategistas, que desde seus gabinetes planejam os ataques, e não
os simples soldados que os executam”. Rosa Weber fazia referência
à ideia central da teoria, que prevê a responsabilização criminal
do chefe de uma organização, mesmo que ele não apareça na cena do
crime. É o que os alemães chamam de “o autor por detrás do
autor”, e é o que Dirceu e seus capachos mais temem, em seus
pesadelos atrozes.
Mensalão é um
atentado a República e ao regime democrático
Ainda assim, e sem
sentir nenhum resquício de vergonha, o Sinistro Revisor ameaçou os
colegas, dizendo que seriam gravíssimas as consequências se, não
obstante, votassem a existência da compra de votos, já que a
reforma da previdência – entre outros – teria sido fraudada.
Ora, ninguém contestou o Excelentíssimo para perguntar se estas
mesmas consequências “gravíssimas” já não seriam razões
suficientes – consoante com sua peculiar interpretação da teoria
acima – para considerar o mensalão como um atentado à República
e, por conseguinte, uma grave perturbação interna?
Pois Funéreo não se
satisfez: no afã de exibir um suposto conhecimento jurídico e
agradar seus donos – Dirceu e Lula – ignorou provas – alegando
que o que não está nos autos não está no mundo, e valeu-se de
impressões pessoais sobre o “caráter” de acusados, em uma clara
contradição do que ele próprio dizia. Precipitou-se explicitamente
na escravidão, entretanto, quando atacou o Ministério Público de
maneira desrespeitosa e agressiva, debochando inclusive da doutrina
defendida pelos pares, nos votos anteriores.
O magistrado vota com a
sua consciência, espelhada em seu voto. Foi a abominável e
indisfarçada distorção de fatos, conceitos e escolas acadêmicas
que mostrou um Ministro do Supremo abandonando seu elevado posto e
descendo, célere, para ombrear-se aos piores rábulas, defensores de
porta de xadrez. O Sinistro do Supremo mostrou, para quem quisesse
ver, que não passava de um advogado de defesa, e da pior extração.
Livrando
a cara do chefe a qualquer custo
Funéreo insiste em
absolver réus com base na teoria de que não houve compra de votos.
Ora, como pode ele então ter condenado Marcos Valério e outros, por
corrupção?
Insiste o Sinistro do
Supremo em fincar pé no desmerecimento da prova testemunhal – que
ao meu ver é a mais importante, posto que baseada na mesma presunção
de inocência (e boa fé) do testemunho, presunção que Funério
apenas invoca quando favorece Dirceuzinho – mas ao mesmo tempo
invoca miríades de testemunhos, considerados “valiosíssimos”
por ele, para exaltar a inocência de seu cliente, José Dirceu.
A verdade é que o
relator baseou grande parte de seu voto
em depoimentos de aliados dos petistas e de figuras que, se
reconhecessem a existência do mensalão, poderiam ser
responsabilizadas judicialmente.
Na
versão do Sinistro do Supremo, coube a Delúbio e ao publicitário
Marcos Valério a decisão política de corromper deputados e a
tarefa de providenciar os recursos ilícitos que consolidariam a
empreitada. Geniais, a dupla teria conseguido arrancar milhões de um
banco sem que a direção do PT ou seu chefe maior – Dirceu –
soubesse.
Tio
Funéreo ficou sozinho: um a um, os Ministros começaram em apartes
e, sem sequer corar, o Sinistro do Supremo teve de ouvir críticas
dos outros ministros a respeito dos pontos fracos de seu voto. "Vossa
excelência condena alguns deputados por corrupção passiva,
entendendo que houve repasses de recursos para algum ato,
provavelmente de apoio político. Também em seu voto condena Delúbio
Soares como corruptor ativo. Não está havendo uma contradição?",
disse Gilmar Mendes, apontando a falta de coerência entre a postura
anterior de Tio Funéreo e o voto dele no caso de Dirceu.
Marco
Aurélio Mello, por sua vez, estranhou o Sinistro do Supremo condenar
Delúbio, então tesoureiro do PT, mas absolver José Dirceu e José
Genoino, manda-chuvas do partido na época: "Vossa excelência
imagina que um tesoureiro de partido político teria essa
autonomia?", indagou.
Celso
de Mello, o mais antigo Ministro da corte, também se pronunciou para
questionar Funéreo, quando o revisor tentou apontar uma contradição
na tese de Joaquim Barbosa – que houve compra de apoio político no
Congresso: "Compra-se a Câmara mas não se compra o Senado?",
perguntou o Sinistro. Celso de Mello lembrou o óbvio: "Talvez
porque não houvesse prova de que houve compra no Senado",
disse, lembrando que o que está nos autos pode ser apenas parte de
um esquema maior.
Mais
cedo, o presidente da corte, Carlos Ayres Britto, rebateu o colega
revisor e lembrou que Roberto Jefferson não desmentiu à Justiça o
que afirmou à imprensa e ao Congresso, quando denunciou o mensalão.
Cada
Dirceu tem a Marília que merece.
O
fim da sessão
Nitidamente
amedrontada, nervosa e gaguejando bastante, foi até compreensível o
temor exibido pela Ministra Rosa Weber ao proferir seu voto.
Coerente, minucioso e acurado, talvez sejam essas as razões de tais
possíveis receios – afinal, juízes são apenas seres humanos; tem
maridos, mulheres, filhos, pais, mães...e Tio Funéreo tem o
guerrilheiro terrorista Zé Dirceu e o cangaceiro stalinista Genoíno
– uma dupla para a qual não se vira as costas.
De
comportamento mais desassombrado foi o Ministro Luis Fux, que
fulminou – uma a uma – as pobres razões de Funéreo e, de quebra,
utilizou-se do mesmo autor Roxin para contestar os balbucios
funéricos.
O
mais engraçado entretanto – e que, infelizmente, ficou para semana
que vem – foi o gozador Fux citar um juizo condenatório do próprio
Supremo, que justificava a tese de que "indícios reforçados tem
poder condenatório sobre os réus" – exatamente o contrário dos
“meros indícios” fartamente expelidos pelo Sinistro.
Seu
autor? Dias Toffoli – que vai ter muito o que explicar pro Papai
Lula, Tio Dirceu e aquele jagunço enfezado deles, o cabra Genoíno.
Nota: sempre é atual a genial série de reportagens de David Nasser para os Diários Associados - "Falta alguém em Nuremberg" - teoricamente sobre analogias entre os criminosos nazistas e o regime ditatorial de Vargas, mais precisamente centrado na figura de Filinto Muller.
Delúbios e Marcos Valérios não poderiam ter feito o que fizeram sem o conhecimento e anuência de Zé Dirceu. E Zé Dirceu? Poderia ter feito o que fez, sem o conhecimento de seu superior?
Valho-me da mesma sutileza de Nasser para afirmar que falta alguém a ser julgado no Supremo.
Walter Biancardine