quarta-feira, 1 de março de 2017

EDITORIAL - Parabéns, Hell de Janeiro!


Queria desejar os parabéns pelos 452 anos do meu Rio de Janeiro, mas do Rio que eu conheci, aquele, o legal.

Um Rio em que o carioca, raça extinta, ainda habitava suas ruas e era dono delas, de cada botequim, e conhecia todos os portugueses donos das milhares de padarias da cidade.

Um Rio em que, no carnaval, se tocava e dançava samba, e não funk.

Um Rio em que, descendo a rua Santa Clara em Copacabana, por exemplo, podiamos saber da vida de todo mundo: bastavam dois dedinhos de prosa com os porteiros, em seu eterno afã de lavar as calçadas com as mangueiras de uma água ainda abundante e barata.

Um Rio em que se valorizava quem realmente fez o seu folclore, quem definiu o carioca em sua melhor acepção e quem deu ao mundo suas melhores histórias e lendas: o habitante classe média (existia isso, então!) da Zona Sul, berço da Bossa Nova que mostrou ao mundo quem era o Brasil.

Um Rio que também era Zona Norte, com as mulheres mais lindas do mundo concentradas em um único bairro: Tijuca, bem como os infalíveis botequins "São Jorge" espalhados por todo o subúrbio da Central e Leopoldina.

Queria dar os parabéns ao Rio - o Rio da Fábrica de Sabão Português no Cajú; o Rio do chafariz do Bairro Peixoto, da Turma do Camões, dos malucos da Constante Ramos, da Turma do Remo do Flamengo - que decidiam qualquer briga e suspiravam por entrar na chique Le Bec Fin.

Rio do Rian - je ne regrette rién, mas trocá-lo por um bordel disfarçado de piano Sobre as Ondas foi demais.

Rio do Roxy, da Cinelândia, do 154 que passava fumaçando na porta de minha casa, dos táxis Zé do Caixão e Fuscas sem o banco da frente e taxímetro capelinha.

Rio do anotador do jogo do bicho, de uma calma digna de bela dama adormecida, quando a madrugada caía. Rio do silêncio que reinava soberano entre as árvores enrugadas, das lojas de armarinho e das boutiques chiquérrimas bem alí, na sua rua, ao lado de sua casa.

Rio dos biscoitos Globo e Limão e Mate berrados na praia, com direito á chorinho.

Rio em que se filava cigarros na cara de pau e ninguém achava ruim.

Queria não ter perdido esse Rio, que foi morto, vencido pela barbárie, crime, deseducação - um Rio onde o carioca vai á São Paulo e se encanta com a cordialidade lá encontrada!

Sou órfão de uma cidade, sem raízes, com referências que foram demolidas, revogadas, esquecidas, motivos de chacota ou acusações de elitismo.

De qualquer modo, deixo meus parabéns á cidade que me viu nascer e crescer.

Só não queria ter tido o triste dever de enterrá-la.

Aquele Rio, hoje, jaz em minhas memórias.

O Rio já foi mó barato, cara!

Walter Biancardine