CRÔNICAS DE UM
DOMINGO VADIO
Antes de mais nada
faz-se necessário esclarecer ao ilustre leitor que sou um bronco.
Reconheço-me um
ôgro cromado, um caminhoneiro envolto em papel celofane: desembrulhe
a embalagem social e lá você encontrará o bom e velho neanderthal,
que palita dentes e coça o saco em ocasiões impróprias. Só que
aprendi a escrever direitinho e engano bem.
Isso posto, resolvi
dedicar este espaço ocioso a discorrer – como leigo ignorante que
sou – sobre algo que considero uma das maiores características do
ser “artístico”, quase uma condição sine qua non: a incrível
capacidade de falar interminavelmente sobre conceitos – seja quais
conceitos forem: da arte, da filosofia, da política, futebol,
trânsito, bunda da Valeska Popozuda, o diabo a quatro. Se você quer
fazer a alegria de um artista, não precisa presenteá-lo com
pincéis, telas ou martelos: dê-lhe um assunto para polemizar.
É incrível
constatar que, para pintar uma vaquinha em frente á uma velha negra
na roça, o ousado experimentalista conceitual viajou na busca de uma
linguagem pictórica expressionista que remetesse ao figurativo naif
de uma ótica de contestação da brutalidade opressora do capital em
contraste com as origens campesinas, onde o artista colherá toda a
simbiose da formação da estética da postura vanguardista enquanto
“ser”, e que á nível de proposta, fê-lo pintar a vaquinha de
branco com umas manchinhas bege.
Quando um ignorante como eu poderia
suspeitar que, por trás do quadro de uma roceira ordenhando,
estivesse tanta ciência do pensamento e da experimentação
intelectual!
De agora em diante,
sabedor de tamanho empenho para se obter resultados tão, digamos,
minimalistas, passarei a respeitar mais as rodas de artistas e
intelectuais nos bares, pois daquela discussão acirrada sobre a
possibilidade de uma faca cravada em uma velha máquina de escrever
ser considerada como “arte” poderá sair uma obra prima do porte
de um Davi, de Michelângelo.
Me dá arrepios só
de imaginar em quantos bares ele teve de encher a cara e discutir,
para poder esculpir aquela maravilha!