Vivemos em uma era
em que o embrutecimento dos sentidos é evidente, e só não enxerga
quem já se embruteceu também – perdoem o joguinho de palavras.
Artistas que são
verdadeiras lendas, clássicos, se consagraram em teatros com lotação
de 500 pessoas, subindo ao palco sozinhos e complementados apenas por
uma banda de quatro ou cinco gatos pingados, mas extremamente
competentes no que faziam.
Hoje nenhum artista
acha que é “bom negócio” fazer shows em teatros, e somente
eventos ao ar livre, com 90 bailarinos, queima de fogos nucleares,
efeitos tão especiais que até esquecemos da música...tocada por
aparelhos – nenhum músico!, coreografias para que oligóides fixem
bem o que viram, com cachês tão estratosféricos que somente
Governos podem pagar e dirigidos para dois milhões de pessoas cabem
em suas megalomanias gananciosas e valerão á pena. Aliás, esta é
uma relação promíscua que poderá ser debatida em outro artigo: a
cumplicidade entre o artista e o Governo pagador de seus cachês.
Breve comentarei.
Claro, haverão
moderninhos que me lembrarão: “Mas existe o Rap, é um movimento
politizado, etc, etc...” Politizado? É de fazer rir! O que essa
turma atrofiada dos neurônios vê como “politizado” resume-se,
na verdade, á um crioulo reclamão, se queixando sobre como sua vida
é difícil e o mundo odeia ele – por isso ele rouba, trafica e
ainda quer glamourizar isso. Uma análise da situação, um
pensamento em termos de apontar um caminho, uma denúncia que não se
limite ao “eu, eu, eu” simplesmente não existem! Mas para os
anestesiados de hoje, qualquer música que tenha algo além de um
refrão grudento é “cabeça” demais!
Na mesma toada vão
as super produções da indústria cinematográfica: tal como a
música, o cinema hoje é feito exclusivamente para o público pré
adolescente – daí a abundância de Marvel Comics, zumbís e outras
pragas. Se a criatividade para inventar personagens e enredos
extinguiu-se, a brutalidade por outro lado encontrou campo fértil,
um verdadeiro paraíso, ao mergulhar de cabeça no tema “zumbí”,
já que o herói poderá matar, esquartejar, amputar e barbarizar
corpos o quanto quiser, sem o peso moral de ceifar uma vida – eis
que já estão mortos! E o melhor de tudo: dispensa-se o enredo, o
trabalho de pensar, e limitamo-nos á nos deliciar com a catarse
gladiadora nas telas, normalmente filha ou mãe de games para
adolescentes confinados.
No meio termo entre
estes dois encontra-se o video clip, cuja linguagem tatibitati foi
adotada pelo cinema. Nele, as referências á um passado morto são
evidentes e servem pra emprestar um ar “cult”, refinado, com um
sabor de “clássico”. Não há uma só obra destas em que
automóveis da década de 60 ou 70 não estejam presentes – a não
ser que se trate de um rap ou funk ostentação, pois entrarão em
cena as Lamborghinis e Ferraris em pacífica convivência com
Chevolets Impala ou Cadillacs rabos-de-peixe. O cenário oscila entre
o pós-apocalíptico e o quarto de motel, com aquele luxo
brega-ostentatório característico e seus personagens jamais
escaparão do traficante bem sucedido, da mocinha angustiada em preto
e branco ou dos jovens em euforia catártica.
É de se notar que
semelhante análise se limita á música, cinema (TV) e clips, pois
são os instrumentos de maior penetração – quase os únicos –
entre a grande massa de jovens atuais. O público de teatro limita-se
aos sobreviventes de uma geração pensante – em sua maioria velhos
que já nenhuma opinião formam, simplesmente se conformam – ou de
casais em que ambos querem impressionar o outro com sua “cultura”
e hábitos chiques. E o mais das artes, confinou-se ao
experimentalismo vanguardista conceitual, muito apreciado lá por
Marte ou Vênus.
E este é o triste
quadro em que vivemos: uma era em que a criação acabou lá pelo
final dos anos oitenta e que vive de regurgitar o que já foi feito,
a “Idade da Revisita”, onde nada há de novo sob o sol que
ilumina nosso Coliseu da mídia e seus gladiadores, que oferecem a
carne, sangue e amputações para as hostes bárbaras dos games,
carpete e ar condicionado.
Precisamos chegar á
um Mozart para concluir que a perfeição é Valeska Popozuda?
Triste.
Walter Biancardine