segunda-feira, 18 de maio de 2015

Só serve se for mega-multi-hiper


Vivemos em uma era em que o embrutecimento dos sentidos é evidente, e só não enxerga quem já se embruteceu também – perdoem o joguinho de palavras.

Artistas que são verdadeiras lendas, clássicos, se consagraram em teatros com lotação de 500 pessoas, subindo ao palco sozinhos e complementados apenas por uma banda de quatro ou cinco gatos pingados, mas extremamente competentes no que faziam.

Hoje nenhum artista acha que é “bom negócio” fazer shows em teatros, e somente eventos ao ar livre, com 90 bailarinos, queima de fogos nucleares, efeitos tão especiais que até esquecemos da música...tocada por aparelhos – nenhum músico!, coreografias para que oligóides fixem bem o que viram, com cachês tão estratosféricos que somente Governos podem pagar e dirigidos para dois milhões de pessoas cabem em suas megalomanias gananciosas e valerão á pena. Aliás, esta é uma relação promíscua que poderá ser debatida em outro artigo: a cumplicidade entre o artista e o Governo pagador de seus cachês. Breve comentarei.

Claro, haverão moderninhos que me lembrarão: “Mas existe o Rap, é um movimento politizado, etc, etc...” Politizado? É de fazer rir! O que essa turma atrofiada dos neurônios vê como “politizado” resume-se, na verdade, á um crioulo reclamão, se queixando sobre como sua vida é difícil e o mundo odeia ele – por isso ele rouba, trafica e ainda quer glamourizar isso. Uma análise da situação, um pensamento em termos de apontar um caminho, uma denúncia que não se limite ao “eu, eu, eu” simplesmente não existem! Mas para os anestesiados de hoje, qualquer música que tenha algo além de um refrão grudento é “cabeça” demais!

Na mesma toada vão as super produções da indústria cinematográfica: tal como a música, o cinema hoje é feito exclusivamente para o público pré adolescente – daí a abundância de Marvel Comics, zumbís e outras pragas. Se a criatividade para inventar personagens e enredos extinguiu-se, a brutalidade por outro lado encontrou campo fértil, um verdadeiro paraíso, ao mergulhar de cabeça no tema “zumbí”, já que o herói poderá matar, esquartejar, amputar e barbarizar corpos o quanto quiser, sem o peso moral de ceifar uma vida – eis que já estão mortos! E o melhor de tudo: dispensa-se o enredo, o trabalho de pensar, e limitamo-nos á nos deliciar com a catarse gladiadora nas telas, normalmente filha ou mãe de games para adolescentes confinados.

No meio termo entre estes dois encontra-se o video clip, cuja linguagem tatibitati foi adotada pelo cinema. Nele, as referências á um passado morto são evidentes e servem pra emprestar um ar “cult”, refinado, com um sabor de “clássico”. Não há uma só obra destas em que automóveis da década de 60 ou 70 não estejam presentes – a não ser que se trate de um rap ou funk ostentação, pois entrarão em cena as Lamborghinis e Ferraris em pacífica convivência com Chevolets Impala ou Cadillacs rabos-de-peixe. O cenário oscila entre o pós-apocalíptico e o quarto de motel, com aquele luxo brega-ostentatório característico e seus personagens jamais escaparão do traficante bem sucedido, da mocinha angustiada em preto e branco ou dos jovens em euforia catártica.

É de se notar que semelhante análise se limita á música, cinema (TV) e clips, pois são os instrumentos de maior penetração – quase os únicos – entre a grande massa de jovens atuais. O público de teatro limita-se aos sobreviventes de uma geração pensante – em sua maioria velhos que já nenhuma opinião formam, simplesmente se conformam – ou de casais em que ambos querem impressionar o outro com sua “cultura” e hábitos chiques. E o mais das artes, confinou-se ao experimentalismo vanguardista conceitual, muito apreciado lá por Marte ou Vênus.

E este é o triste quadro em que vivemos: uma era em que a criação acabou lá pelo final dos anos oitenta e que vive de regurgitar o que já foi feito, a “Idade da Revisita”, onde nada há de novo sob o sol que ilumina nosso Coliseu da mídia e seus gladiadores, que oferecem a carne, sangue e amputações para as hostes bárbaras dos games, carpete e ar condicionado.

Precisamos chegar á um Mozart para concluir que a perfeição é Valeska Popozuda?

Triste.

Walter Biancardine