quinta-feira, 4 de outubro de 2012



A triste figura de um Sinistro do Supremo

Pior que um rábula, só um com pouca inteligência e que igualmente não acredite na inteligência alheia – pois como ele mesmo – Ricardo Lewandowiski, Sinistro do Supremo e mais conhecido como Tio Funéreo – afirma, só “acredita no que vê, e não em Papai Noel”.
Afirma o mesmo que a “teoria do domínio do fato” só seria plausível diante de situações de guerra ou graves perturbações internas – e arrota, arrogante, seus conhecimentos em um alemão falado nas docas.
Esta teoria surgiu na Alemanha, no final da década de 30, e foi atualizada – e não criada, como afirmou Tio Funéreo – depois por Claus Roxin na década de 60. O alemão Welzel a pariu, em 1939, e nunca sofreu qualquer contestação teórica de Roxin, ainda que o Sinistro do Supremo não o saiba. A teoria foi aperfeiçoada para assegurar a punição dos chefes das tropas de Hitler e, anos depois, dos oficiais envolvidos no assassinato de fugitivos do Muro de Berlim.
Pelas leis comuns, só os soldados, que estavam na linha de frente e atiravam contra os fugitivos, eram passíveis de condenação. A teoria do domínio do fato permitiria a responsabilização criminal de coronéis e oficiais que, mesmo não estando no front, tinham o poder de impedir os crimes com uma simples ordem aos soldados de plantão.
Logo depois, a teoria começou a ser usada para punir chefes das máfias italianas e outras organizações criminosas, sob a mesma lógica. Os chefes quase nunca deixam digitais nos crimes cometidos pela base das quadrilhas – ou, como diz a Ministra Rosa Weber, “o corrupto não emite recibo de sua corrupção”.
Em seu voto, após o Sinistro Lewandowiski citar a historieta acima, a Ministra sustentou que “nos crimes de guerra punem-se, em geral, os generais estrategistas, que desde seus gabinetes planejam os ataques, e não os simples soldados que os executam”. Rosa Weber fazia referência à ideia central da teoria, que prevê a responsabilização criminal do chefe de uma organização, mesmo que ele não apareça na cena do crime. É o que os alemães chamam de “o autor por detrás do autor”, e é o que Dirceu e seus capachos mais temem, em seus pesadelos atrozes.

Mensalão é um atentado a República e ao regime democrático

Ainda assim, e sem sentir nenhum resquício de vergonha, o Sinistro Revisor ameaçou os colegas, dizendo que seriam gravíssimas as consequências se, não obstante, votassem a existência da compra de votos, já que a reforma da previdência – entre outros – teria sido fraudada. Ora, ninguém contestou o Excelentíssimo para perguntar se estas mesmas consequências “gravíssimas” já não seriam razões suficientes – consoante com sua peculiar interpretação da teoria acima – para considerar o mensalão como um atentado à República e, por conseguinte, uma grave perturbação interna?
Pois Funéreo não se satisfez: no afã de exibir um suposto conhecimento jurídico e agradar seus donos – Dirceu e Lula – ignorou provas – alegando que o que não está nos autos não está no mundo, e valeu-se de impressões pessoais sobre o “caráter” de acusados, em uma clara contradição do que ele próprio dizia. Precipitou-se explicitamente na escravidão, entretanto, quando atacou o Ministério Público de maneira desrespeitosa e agressiva, debochando inclusive da doutrina defendida pelos pares, nos votos anteriores.
O magistrado vota com a sua consciência, espelhada em seu voto. Foi a abominável e indisfarçada distorção de fatos, conceitos e escolas acadêmicas que mostrou um Ministro do Supremo abandonando seu elevado posto e descendo, célere, para ombrear-se aos piores rábulas, defensores de porta de xadrez. O Sinistro do Supremo mostrou, para quem quisesse ver, que não passava de um advogado de defesa, e da pior extração.

Livrando a cara do chefe a qualquer custo

Funéreo insiste em absolver réus com base na teoria de que não houve compra de votos. Ora, como pode ele então ter condenado Marcos Valério e outros, por corrupção?
Insiste o Sinistro do Supremo em fincar pé no desmerecimento da prova testemunhal – que ao meu ver é a mais importante, posto que baseada na mesma presunção de inocência (e boa fé) do testemunho, presunção que Funério apenas invoca quando favorece Dirceuzinho – mas ao mesmo tempo invoca miríades de testemunhos, considerados “valiosíssimos” por ele, para exaltar a inocência de seu cliente, José Dirceu.
A verdade é que o relator baseou grande parte de seu voto em depoimentos de aliados dos petistas e de figuras que, se reconhecessem a existência do mensalão, poderiam ser responsabilizadas judicialmente.
Na versão do Sinistro do Supremo, coube a Delúbio e ao publicitário Marcos Valério a decisão política de corromper deputados e a tarefa de providenciar os recursos ilícitos que consolidariam a empreitada. Geniais, a dupla teria conseguido arrancar milhões de um banco sem que a direção do PT ou seu chefe maior – Dirceu – soubesse.
Tio Funéreo ficou sozinho: um a um, os Ministros começaram em apartes e, sem sequer corar, o Sinistro do Supremo teve de ouvir críticas dos outros ministros a respeito dos pontos fracos de seu voto. "Vossa excelência condena alguns deputados por corrupção passiva, entendendo que houve repasses de recursos para algum ato, provavelmente de apoio político. Também em seu voto condena Delúbio Soares como corruptor ativo. Não está havendo uma contradição?", disse Gilmar Mendes, apontando a falta de coerência entre a postura anterior de Tio Funéreo e o voto dele no caso de Dirceu.
Marco Aurélio Mello, por sua vez, estranhou o Sinistro do Supremo condenar Delúbio, então tesoureiro do PT, mas absolver José Dirceu e José Genoino, manda-chuvas do partido na época: "Vossa excelência imagina que um tesoureiro de partido político teria essa autonomia?", indagou.
Celso de Mello, o mais antigo Ministro da corte, também se pronunciou para questionar Funéreo, quando o revisor tentou apontar uma contradição na tese de Joaquim Barbosa – que houve compra de apoio político no Congresso: "Compra-se a Câmara mas não se compra o Senado?", perguntou o Sinistro. Celso de Mello lembrou o óbvio: "Talvez porque não houvesse prova de que houve compra no Senado", disse, lembrando que o que está nos autos pode ser apenas parte de um esquema maior.
Mais cedo, o presidente da corte, Carlos Ayres Britto, rebateu o colega revisor e lembrou que Roberto Jefferson não desmentiu à Justiça o que afirmou à imprensa e ao Congresso, quando denunciou o mensalão.
Cada Dirceu tem a Marília que merece.

O fim da sessão

Nitidamente amedrontada, nervosa e gaguejando bastante, foi até compreensível o temor exibido pela Ministra Rosa Weber ao proferir seu voto. Coerente, minucioso e acurado, talvez sejam essas as razões de tais possíveis receios – afinal, juízes são apenas seres humanos; tem maridos, mulheres, filhos, pais, mães...e Tio Funéreo tem o guerrilheiro terrorista Zé Dirceu e o cangaceiro stalinista Genoíno – uma dupla para a qual não se vira as costas.
De comportamento mais desassombrado foi o Ministro Luis Fux, que fulminou – uma a uma – as pobres razões de Funéreo e, de quebra, utilizou-se do mesmo autor Roxin para contestar os balbucios funéricos.
O mais engraçado entretanto – e que, infelizmente, ficou para semana que vem – foi o gozador Fux citar um juizo condenatório do próprio Supremo, que justificava a tese de que "indícios reforçados tem poder condenatório sobre os réus" – exatamente o contrário dos “meros indícios” fartamente expelidos pelo Sinistro.
Seu autor? Dias Toffoli – que vai ter muito o que explicar pro Papai Lula, Tio Dirceu e aquele jagunço enfezado deles, o cabra Genoíno.

Nota: sempre é atual a genial série de reportagens de David Nasser para os Diários Associados - "Falta alguém em Nuremberg" - teoricamente sobre analogias entre os criminosos nazistas e o regime ditatorial de Vargas, mais precisamente centrado na figura de Filinto Muller. 
Delúbios e Marcos Valérios não poderiam ter feito o que fizeram sem o conhecimento e anuência de Zé Dirceu. E Zé Dirceu? Poderia ter feito o que fez, sem o conhecimento de seu superior?
Valho-me da mesma sutileza de Nasser para afirmar que falta alguém a ser julgado no Supremo.

Walter Biancardine