sábado, 13 de outubro de 2012

As estradas são de todos: um artigo de Luis Antônio Biato, The House of Rock and Roll - Búzios


Moto não tem tamanho. Tem estado de espírito.

Antes de pegar minha moto e ir para o show, debaixo de chuva e tomando antibióticos para a garganta, me lembrei de um incidente lá no bar com uns sujeitos, proprietários de motos de ultima geração e caríssimas, que estavam ridicularizando um cara que tinha saído do bar todo equipado – mas pilotando uma Honda CG 125.
Eles se diziam motociclistas e se referiram a ele como "motoqueiro".
Eu não aguentei e disse que era uma palhaçada o que eles fizeram e que o cara da CG podia ser alguém muito mais ligado ao motociclismo e ao ideal de liberdade, companheirismo e vento no rosto. Entre eles e o rapaz da 125, a única diferença era o dinheiro: uns com muito, o outro com quase nada.
Foi o maior rolo!
* * *

Tem cara que dá a volta ao mundo com uma 125, sofrendo com as rajadas de vento, com a falta de potencia, com as roupas que molham por não ter alforges impermeáveis e , principalmente, com o preconceito por não estar numa Harley ou BMW. No entanto ele sabe consertar tudo na moto e com um orçamento de zero centavos. É mão na graxa mesmo, de quem conhece e sabe a arte da mecânica.
Um, viaja o mundo driblando todas as adversidades que só quem já encarou uma estrada a bordo de uma moto, conhece. O outro é um filhinho de papai, que somente foi á loja e o pai comprou-lhe a moto – sempre a mais cara, para ele.
Este ultimo é o cara que vemos, nos EUA, transportando a moto na pick up e, em chegando em Daytona ou Sturgis, tirando a moto do carro e passeando em volta do encontro como um babaca, tirando a maior onda.
Ora, o cara pode fazer o que quiser, até mandar a moto de avião!
Só não tem o direito de desrespeitar o outro, que andou 2000 km, 14 horas em um dia, para para chegar a tempo no encontro de motos.
Quem é o motociclista e o motoqueiro?
O simbolo da caveira ligado ao motociclismo é para mostrar que, embaixo de nossa pele, somos todos iguais. Mas não é isto o que acontece.
Portanto não se julgue melhor que alguém se você tem uma moto topo de linha: você apenas tem mais dinheiro!!!
* * *

Isto foi um desabafo, pois esbarrar em uma situação como esta tornou-se – infelizmente – corriqueiro. E, por ter uma Harley Davidson – que não foi minha mãe que comprou e que só consegui aos 50 anos, embora tenha sempre desejado ter uma – os caras acham que eu compartilho deste "apartheid", me abordando com estas piadinhas sobre os "motoqueiros".
Eu fico é puto! Quem não anda de moto não sabe como este é um veiculo peculiar. A estrada é traiçoeira: buracos, areia e óleo na pista; cachorro atravessando, carro te fechando, caminhão ou ônibus provocando um deslocamento de ar que pode te derrubar, vento lateral que te manda pro chão, ranhuras e depressões na pista. Uma curva que começa seca, no meio já está toda molhada pela chuva, o vento quer arrancar o capacete, a chuva que espeta o rosto como agulhas e te deixa cego; o sol que te torra junto com o calor gerado pelo motor e causa reflexo nos arranhados da viseira do capacete. O frio te faz parar e encher a roupa com jornal, congela os dedos, o sono obriga parar e dormir em cima da primeira grama que aparece, a água das poças que os caminhões jogam na gente e que nos deixa cegos por instantes, as costas que doem, partes do corpo que ficam dormentes. Tudo isso somado a sua própria desatenção, imperícia ou vontade de arrepiar, que podem te colocar em uma situação de quase morte e lembrar que, por mais que você saiba andar de moto, há que respeitá-la, pois num minuto estamos em cima dela e no outro podemos estar embaixo de um caminhão.
Então o cara que entende de tudo isto, como você, não pode ser menosprezado por estar em uma moto pior. Ele é o cara que pode estar na tua frente e te avisar de um perigo que você talvez não visse. O verdadeiro motociclista/motoqueiro se preocupa com você como você se preocupa com ele.
As vezes é um cara que passa a andar do teu lado na estrada, que você nem conhece e nem vê o rosto por causa do capacete mas, naquele momento, se torna teu irmão e, algumas de centenas de quilômetros a frente, pega uma saída da estrada, acena, vai embora e você nunca mais o vê.
O texto é grande, mas eu queria que as pessoas que não tem moto entendessem também como é complexo e delicado o motociclismo e que o verdadeiro motociclista/motoqueiro tem isto tudo nas veias, na alma ou escrito em tatuagens por todo o corpo.
Isto tudo, mas uma vez, independe do preço da moto que ele está pilotando.

Luis Antonio Biato 
Luis Antônio é motociclista, ciclista, surfista, praticante de stand up paddle e, nas horas vagas, arrebenta no rock and roll em seu bar.