Não
entendia muito de automóveis, mas queria a todo custo um igual aos
que via, a cada verão, nas mãos dos turistas que desfilavam pela
cidade.
Em
um religioso ritual diário, peregrinava pelas inúmeras agências de
automóveis da cidade em busca de seu sonho, passaporte para um mundo
melhor e sex appeal que o conduziria, diretamente, aos braços de
mulheres inalcançáveis.
A
liturgia quase não variava. Olhava cobiçoso os bólidos, segurava
infantilmente o sexo e perguntava:
-
Quanto custa esse BMW aqui?
-
Oitenta e cinco mil reais, mas dá pra quebrar um pouco, respondia o
vendedor observando sua bermuda cargo, sua camisa sem mangas, seu
chinelo de dedo e sua bicicleta.
Em
qualquer agência que fosse, a indagação sobre o sonho sempre
despencava para a realidade. De carro em carro, afundava de
reluzentes Mercedes-Benz, Jaguar, Land Rover ou Cherokee para
modestos Fiat Uno, Gol bolinha e até mesmo Brasílias e Chevettes
mais em conta.
Mais
de um ano durou sua busca. Mais de um ano de cobiça e pinto repuxado
por cima da bermuda.
Tornou-se mesmo conhecido dos vendedores, e um
deles conseguiu-lhe uma pechincha:
-
Esse carro é coreano, mas as peças são todas de Monza! E tem kit
gás!
O
pobre olhava o carro, ávido, e quis fechar negócio a todo custo. Na
verdade tratava-se de um cansado Daewoo, marca desconhecida mas o que
importava era seu tamanho e aspecto: grande, quem olhasse até
pensaria ser um Audi. Verdade que a cor roxa estava já queimada e
opaca, os pneus eram remoldados e pequenos demais para o carro,
faltavam alguns frisos, o ar condicionado não funcionava, volante
sem capa de buzina, bancos puídos mas tinha insufilme e um CD
player. E tinha kit gás!
O
pobre vendedor enfrentou uma maratona para financiar-lhe o sonho:
inventou comprovante de renda, residência e mesmo uma conta falsa em
banco, mas conseguiu 36 meses de prazo, sem entrada, e prestações
que tomariam dois terços de seu salário de mil reais como
encarregado em uma obra.
* *
*
De
posse de seu sonho, uma mudança operou-se no novo e feliz
proprietário do veículo.
Primeiramente comprou um pesado e grosso
cordão de prata falsa, seguido por portentosos óculos escuros que
mascaravam sua insegurança em um ar arrogantemente viril.
Logo após, presenteou-se com o mais caro aparelho de telefone celular que encontrou, embora mal soubesse compreender quais funções teria, além do óbvio falar.
Roupas novas também foram necessárias – apesar de seguir fiel à receita malemolente tropical do bermudão cargo e camisas sem manga, tão em voga na Baixada Fluminense há anos.
Logo após, presenteou-se com o mais caro aparelho de telefone celular que encontrou, embora mal soubesse compreender quais funções teria, além do óbvio falar.
Roupas novas também foram necessárias – apesar de seguir fiel à receita malemolente tropical do bermudão cargo e camisas sem manga, tão em voga na Baixada Fluminense há anos.
Tanta
despesa afetou o orçamento doméstico e sua mulher começou a
reclamar. Gastos com combustível eram diários e os carnês com as
prestações de suas jóias não paravam de chegar, tornando sua
companheira de 20 anos e mãe de seus quatro filhos uma reclamona
insuportável.
Sua
casa continuava sem embôço pelo lado de fora – segundo ele, uma
esperta estratégia para não pagar IPTU – e a laje, naquele andor,
jamais seria batida.
O
ápice da tensão entre o casal deu-se quando o feliz proprietário
do carro novo entendeu de construir um telhado à guisa de garagem,
para o possante: tal foi a despesa que viu-se obrigado a recorrer à
um vereador amigo para comprar um bujão de gás.
Pensou
que “perdido por um, perdido por mil”, ao tomar os últimos
trocados da mulher para ir tomar cerveja no bar com seus amigos e seu
carrão – suas únicas felicidades na vida – quando lá encontrou
sestrosa moçoila que enfeitiçou-lhe o que restara de juízo.
A
partir daí foi a vertigem do precipício: estourados todos os
cartões de crédito, recorria a amigos para arranjar dinheiro que
pagasse seus arrufos com a mocinha, enquanto sua mulher sujeitava-se
à compaixão de vizinhos e parentes para almoços e jantas dela e
dos filhos.
Idade
cruel, o meio século de vida em alguns homens cobra caro, quando
dominado pela possibilidade do sexo moribundo; ainda mais com jovem
mocinha que – provocante – oferecia seu pescocinho ao velho
vampiro, para que dela sugasse o lenitivo de seus recalques: pediu
para ser mandado embora de seu trabalho de quase duas décadas e, com
a indenização, montou casa para a jovem – ansiado como ninho de
amor onde uma nova existência de prazeres seria iniciada. Para eles,
ao menos.
* *
*
Endividado
até os cabelos, sem emprego e sem atinar no despenhadeiro que
saltara, ainda tinha o desplante diário de desfilar em seu carrão
ano 87 em frente à casa de sua ex-mulher e de seus filhos, sempre
acompanhado da jovem mocinha que ria sem parar – de tudo, de todos,
a toda hora e por qualquer motivo.
Fazia sua melhor cara de
arrogante, escondido por detrás de seus óculos escuros e cordão de
prata, colocava o cotovelo na porta e dirigindo com uma só mão,
acelerava o veículo pela rua de chão da favela.
* *
*
Aquela
alegria angustiada não poderia durar muito. O pobre vive hoje de
flanelinha e lavador de carros no centro da cidade, morando de favor
no barracão de ferramentas de uma oficina em Campo Redondo.
A
risonha mocinha ficou com a casa e seu carro – mesmo com ordem de
busca e apreensão – em companhia de outras quatro senhoritas tão
dadivosas quanto ela, e recebendo cavalheiros ocasionalmente.
Sua
ex-mulher morreu – comenta-se – de desgosto, ao cientificar-se
que seus quatro filhos enveredaram pelo mundo do crime, dois estando
já mortos com ela ainda em vida, outro preso e o caçula foragido.
Em
Cabo Frio esta é uma história que sequer é contada nos círculos
de amigos pelos botequins, de tão banal e repetitiva que é.
Tristemente,
os cafajestes só são lembrados enquanto pagam.
Walter Biancardine