segunda-feira, 7 de março de 2016

EDITORIAL GREVE DO SEPE – OS LIMITES DO BOM SENSO



É ponto pacífico que a Prefeitura não consegue – e nem conseguirá, sem a compreensão dos servidores – integralizar o pagamento da folha até o quinto dia útil, a menos que dinheiro externo entre nas contas do município, tal como a reposição dos royalties. Assim sendo, por diversas vezes conclamou o prefeito Alair Corrêa que o sindicato compreendesse a situação; que pelo bem geral cessasse a greve e pactuasse uma trégua até que as contas fossem regularizadas e os recebimentos de salários, novamente pagos na data correta.

A intransigência falou mais alto e a recusa permanece.

Todos os esforços – no sentido de uma negociação política, que beneficiasse alunos, pais e principalmente o ano letivo de 2015 – foram infrutíferos, diante de uma renitência que só nos permite concluir que há, de fato, uma motivação política no ato.

Tendo ultrapassado todos os limites do bom senso, a greve imposta á sociedade pelo SEPE/Lagos certamente não terá outro desfecho além da via judicial.

A QUESTÃO LEGAL – O QUE A LEI DETERMINA

No Supremo Tribunal Federal, prevaleceu o entendimento de que a greve de servidores públicos só seria juridicamente possível após a edição da lei regulamentadora.

Essa posição permaneceu inalterada até o ano de 2007, quando a Corte promoveu um giro histórico na sua compreensão do instituto do Mandado de Injunção. A Lei de Greve do setor privado (Lei 7.783/1989) passou a vincular todas as greves de servidores públicos no país, até que o Congresso Nacional aprove a lei específica reclamada pelo art. 37, VII da Constituição.

O DESCONTO DOS DIAS PARADOS.

A Lei n. 7.783/1989, aplicável provisoriamente às greves no serviço público, trata do enquadramento jurídico do período de paralisação nos seguintes termos:

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.

Deste modo, o período de greve é considerado como suspensão do contrato de trabalho, donde se extrai que os dias parados, em princípio, não são pagos.

A aplicação do art. 7º aos servidores públicos estatutários exige ao menos duas ressalvas:
a) a competência para apreciar e julgar conflitos referentes a greves no serviço público não é da Justiça do Trabalho, e sim da Justiça Comum, como definiu o STF nos MI´s 670/ES, 708/DF e 712/PA;
b) não há propriamente um contrato de trabalho entre o servidor estatutário e a Administração Pública, mas sim uma relação de trabalho cujos termos são definidos unilateralmente pelo Estado, através da edição de leis em sentido formal.

De qualquer forma, o art. 7º da Lei nº7.783/1989 tem sido utilizado como fundamento para sustentar o não pagamento dos dias parados aos servidores em greve, o que gera, porém, debates e polêmicas intermináveis na doutrina e jurisprudência nacionais.

Ao se admitir a greve no serviço público sem corte de ponto, haveria violação ao princípio da isonomia, porquanto os trabalhadores da iniciativa privada têm seus contratos de trabalho suspensos durante o período da greve, como prevê o art. 7º da Lei nº 7.783/1989. Nas palavras de Bezerra Leite, “é preciso que os trabalhadores públicos brasileiros se conscientizem acerca da própria natureza instrumental da greve e assumam os riscos que a deflagração do movimento lhes impõe”

O jurista Álvares da Silva caracteriza como “uma incoerência e um absurdo” que o servidor público faça greve recebendo salário. Ao se referir às greves que ocorriam antes da decisão do STF em 2007, o mencionado autor afirma que “transferia-se totalmente para a sociedade o ônus da paralisação e o servidor a praticava sem nenhum risco ou consequência. Esta incoerência agora acabou”

Ao julgar os Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/DF e 712/PA, o STF fixou parâmetros que devem ser observados pelos tribunais, no julgamento de litígios referentes a movimentos paredistas.

Conforme a Suprema Corte, a greve provoca, em princípio, suspensão do contrato de trabalho (e, por conseguinte, o não pagamento de salários), mas esta premissa deve ser afastada nos casos em que a greve foi provocada pelo atraso no pagamento dos servidores, ou por situação “excepcional” similar.

Assim sendo, a questão do pagamento pelos dias parados deve ser resolvida conforme as particularidades de cada caso concreto, havendo nuances que não podem ser desconsideradas.

O CASO DO SEPE

Este é justamente o ponto onde devemos situar a greve do SEPE perante os atrasos salariais: os atrasos – ponto principal do movimento – não foram provocados por má gestão, perseguição ou descaso e caberá á Justiça decidir – diante das várias correntes que preconizam o não pagamento ou a integralização dos vencimentos – o que acontecerá com os bolsos dos professores grevistas.

Diante de uma inegável situação de calamidade financeira, pública e notória, que abrange não apenas os âmbitos municipais e estaduais como alcança inclusive a esfera Federal, haverá a Justiça de considerar a causa como absolutamente alheia à vontade da Prefeitura de Cabo Frio. Em nenhum momento a prefeitura pretendeu eximir-se da obrigação de pagar; do mesmo modo obedeceu – com os atrasos que motivaram o movimento – esta obrigação, efetuando verdadeiros “contorcionismos” financeiros para jamais deixar de cumpri-la.

Devemos levar em conta também os gestos de boa vontade, levados a público pela Prefeitura, que não apenas ofereceu ao Sindicato a gestão dos recursos provenientes do FUNDEB como igualmente, por mais de duas vezes, conclamou a categoria ao entendimento e negociação – inclusive intermediado pela Câmara de Vereadores – mas sem que houvesse aceite da tal gestão nem flexibilização de reivindicações, por parte do SEPE.

A Prefeitura de Cabo Frio, segundo o apurado pelo Opinião, não contesta nem pretende ver revogada a obrigatoriedade do pagamento até o quinto dia útil de cada mês, apenas conclama a categoria para que compreendam a situação emergencial a qual atravessa o município – com causas públicas e notórias – para que, por intervalo de tempo a ser combinado entre as partes, abram mão provisoriamente deste direito em favor da regularização geral da folha de pagamentos de todo o corpo de servidores municipais, igualmente afetados pela crise causadora dos transtornos.

Persistindo em tal intransigência, dilapidam suas reputações perante a opinião de pais e alunos, bem como diante de toda a sociedade cabofriense e não deixam outra saída que não a Justiça.

Que seja feita.


Walter Biancardine